Foi Demócrito, filosofo grego de Abdera, quem desenvolve a idéia de que todas as coisas são compostas por um elemento comum e indivisível, o átomo. Por volta de 400 anos antes da era cristã, Demócrito, como a grande maioria dos filósofos do seu tempo, estava a procura de explicações para a realidade das coisas do homem e da natureza, tendo a sociedade e a própria natureza como as referencias para as suas conclusões. Este foi um importante e decisivo passo no exercício de substituição das bases míticas e religiosas, então explicadoras da realidade, e inicio da edificação do saber cientifico.
A discussão sobre a política nuclear brasileira tem sido reacendida nos últimos tempos nos mais diversos fóruns, formais e informais, do nosso dia-dia. É um bom e longo debate que no seu bojo carrega um serie de subtemas de alta relevância e que nem sempre são tão bem tratados ou, ao menos, percebidos. Em Sergipe, particularmente, a partir do posicionamento do governador Marcelo Déda em favor da implantação de uma usina nuclear em nossas terras, este debate, até então restrito à Assembléia Legislativa, em especial aos pronunciamentos do deputado Professor Wanderlê Correia, ganha status de estratégico para o desenvolvimento do nosso estado. E a ele se soma as universidades, institutos de pesquisas e empresários. Como disse o atomista Demócrito de Abdera: "Tudo que existe no universo é fruto do acaso e da necessidade". Com a entrada de Marcelo Déda neste debate, tratar da questão nuclear em Sergipe não é mais um resultado do acaso, e sim uma necessidade que se impõe a todo e qualquer sergipano minimamente interessado com o nosso futuro econômico, social e ambiental.
A criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-Cnpq, em 1951, da Comissão Nacional de Energia Nuclear- CNEN em 1956, a construção da Usina Angra I, iniciada em 1970, colocam definitivamente na pauta acadêmica e cientifica nacional a questão nuclear, anteriormente tratada apenas nos assuntos de guerra e paz da década de 1940 e inicio da década de 1950. Em diversas edições do jornal sergipano Folha Popular, do ano de 1955, figurava um “Apelo (abaixo assinado) contra a preparação da guerra atômica”. Dizia o apelo: Alguns governos preparam hoje o desencadeamento de uma guerra atômica. Querem fazer com que os povos admitam como uma fatalidade. O uso das armas nucleares conduzirá a uma guerra de extermínio. Acreditamos que o governo que desencadeasse a guerra atômica perderia a confiança de seu próprio povo e seria condenado por todos os demais povos. Desde este instante opomo-nos aos que organizam a guerra atômica. Exigimos a destruição, em todos os países, dos depósitos de armas atômicas e exigimos a cessão imediata de sua fabricação”.
O mesmo semanário comunista, agora em 08 de setembro de 1956, em matéria de meia página intitulada “Todo apoio a nova política nuclear”, trata sobre a criação Comissão Nacional de Energia Nuclear no governo de Juscelino Kubitscheck. Segundo o jornal: “Vibra de entusiasmo, rejubila-se a nação inteira- o Brasil está de cabeça erguida. Diante da ação irresistível e patriótica do povo, o governo traçou as diretrizes para uma Política Nacional de Energia Nuclear de acordo com os interesses da pátria... Os ardentes aplausos de todos os brasileiros exalta a nova política nuclear, um passo firme e sério no caminho da mudança necessária e indispensável de nossa política externa.”
O ex-governador Seixas Dória em artigo intitulado “Energia atômica, o caminho do Brasil”, publicado em “O Semanário” edição de 14 a 21 de novembro de 1957 e reproduzido no livro de sua autoria, “ Recortes de uma jornada”, destaca a importância da energia nuclear como elemento reafirmador do nacionalismo e do desenvolvimento nacional. Segundo o então Deputado Federal, a energia atômica era o “Único caminho aconselhável” e “obedeceria ainda aos superiores interesses da nossa defesa”.
A nossa vocação pacífica no uso da energia nuclear e a preocupação desenvolvimentista e nacionalista ficam assim expressas nas páginas da Folha Popular e na fala do parlamentar Seixas Dória, evidenciando que desde a origem do nosso programa nuclear a reafirmação da paz e da soberania apontavam o norte das ações.
Mas o que me parece importante é destacar o contexto de aceleração econômica e reafirmação nacionalista em que as ações pioneiras da política nuclear são implantadas. São os governos de Getúlio Vargas (democrático), Juscelino Kubitscheck e Garrastazu Médici que se notabilizam por um discurso, ao menos aparentemente comum, em defesa de uma política de desenvolvimento nacional. A retomada do tema nuclear no Governo Lula, também não resulta de uma expressão do acaso, mas sim de uma necessidade que se impõe em um contexto reconhecidamente caracterizado pela retomada desenvolvimentista e pelo reposicionamento do Brasil no cenário internacional, marcado por um inédito protagonísmona sua política externa. Discussões sobre política nuclear não se faz figurar em cenários de crise ou fragilidades econômicas, nem tampouco se desvincula de interesses políticos, econômicos ou até mesmo militares. No atual cenário brasileiro não seria por todo estranho se até mesmo questões militares estivessem na pauta da política nuclear, não seria estranho não fosse inconstitucional. A questão nuclear atual revela a necessidade do país, que aponta para nos próximos dez anos estar entre as cinco maiores economias do planeta, estabelecer também por via do domínio da tecnologia atômica, ações que reafirmem a sua inserção no cenário das potencias internacionais de modo soberano e em destacada posição.
Em Sergipe as falas dos aliados ao governo Marcelo Déda tem sido bastante pragmáticas. Destacam a soma de aproximadamente 3 ou 4 bilhões de reais que serão aplicadas na obra; a geração de centenas de emprego; a captação de profissionais altamente especializados; os estímulos à pesquisa no campo da ciência e da tecnologia e formação de pólos de excelência; além do desenvolvimento de tecnologias de segurança que muito avançaram depois da Chernobyl, sem falar na fatídica constatação de que se algum eventual acidente viesse a ocorrer não estaríamos livres das suas conseqüências caso a usina fosse implantada em terras de Alagoas ou Bahia, por exemplo. São constatações até pragmáticas, frias, mas verdadeiras e que devem ser consideradas. Já a oposição ao projeto de usina nuclear, até mesmo entre os que fazem a base aliada do governo, elencam critérios técnicos e ambientais, na esperança de neutralizar as pretensões governistas.
Também é bom lembrar que, ao findar das contas, o debate nuclear sergipano e brasileiro é mais político que técnico, mais econômico que ambiental. Não terá nos ambientalistas nem nos acadêmicos as bases do seu veredicto final. Serão os debates políticos e os dividendos econômicos que darão peso à decisão final sobre o nosso futuro nuclear. A oposição à Lula e à Déda, no fundo, tem plena consciência desse cenário, ela é uma oposição meramente política, entende pouco de questões ambientais, pois nunca tratou seriamente do tema e sempre negligenciou as questões técnicas. É uma oposição sobre a qual Demócrito de Abdera diria: “.. são aqueles que tudo fazem com palavras, mas na realidade nada fazem”.
O Governador Marcelo Déda, que em política não é atomista como Demócrito, ou melhor, entende que não há discurso ou prática que não possa ser subdividido e tratado em partes, sabe que deve levar em consideração a possibilidade de amanhã ser acusado, pela oposição de hoje, de deixar passar a significativa oportunidade de ampliar a arrecadação de impostos, a geração de emprego e renda, e de não inserir definitivamente Sergipe na rota do desenvolvimento, caso se negue a imprimir um amplo debate e não faça valer seu poder de influência em torno da possibilidade de implantação da usina nuclear sergipana. Nunca é demais lembrar que para uma certa oposição só o acaso é necessário.
*Professor de História da Unit e Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergi
FONTE: Jornal da cidade, Caderno B, 09 de abril de 2010, p. B-6.